sábado, 5 de abril de 2014

Um paralelo do crente inglês do século XIX e a Igreja brasileira atual


Por Antognoni Misael

Em um dos livros da coleção ‘A formação da classe Operária Inglesa’, especificamente no de Volume três, o autor E.P.Thompson, famoso por uma cosmovisão neomarxista, discorre sobre a formação da consciência da classe de trabalhadores ante o analfabetismo existente entre os ingleses do século XIX. 

O que me chamou muita atenção em sua obra foi encontrar registros de que os protestantes daquela época exerceram um papel fundamental na construção do conhecimento, desenvolvimento do senso crítico social, e mais que isso, no processo de alfabetização de parte da população.

Havia uma grande busca pelo crescimento intelectual dentre os cristãos daquela época. Thompson ainda registra que era comum um trabalhador analfabeto andar quilômetros para ouvir um sermão de um pregador cristão. A ideia da obra de Thompson tem a premissa de que o analfabetismo de grande parte daquela massa, cujos cristãos eram maioria, não determinou que o nível de consciência política e social fosse comprometido. Eu vou mais além, digo que não comprometeu a sede em conhecer mais a Deus e que tipo de cosmovisão condizia com os valores dEle.

Thompson ainda relata que os cristãos que abandonavam o analfabetismo o faziam por insistentes leituras na Bíblia Sagrada aliadas as aulas informais solidarizadas por outros operários, enquanto que as suas crianças tinham o privilégio de serem logo cedo, veja:
Se as Sociedades Bíblicas e as sociedades da Escola Dominical não foram frequentadas para nenhum outro bem, pelo menos produziram um efeito benéfico – foram o meio de ensinar muitos milhares de crianças a ler” (Thompson, E.P., p. 308)
Apesar de relatos como estes não serem novidades, a saber que a Inglaterra pós-avivamento ainda aspirava busca pelo conhecimento sobre Deus, o mais interessante aqui é observar os registros de um historiador secular neomarxista a respeito dos hábitos protestantes.

Estamos no Brasil, século XXI. Em nossas igrejas é raro que nas Escolas Bíblicas Dominicais se alfabetize alguém, assim como dificilmente algum irmão andaria quilômetros para ouvir um sermão reformado! Estamos na era moderna, do evangelho moderno!

Mas o que me não me deixar parar de refletir é avaliar que se lemos a Bíblia, não primordialmente para aprender gramática… se nossas Escolas Bíblicas não, necessariamente, alfabetiza nossas crianças, mas as ensinam sobre o caminho; e se não precisamos andar quilômetros para ouvir um bom sermão na igreja, haja vista termos acessibilidade geográfica, de transporte e/ou mídia, me surpreende a situação a qual nos encontramos.

É como se atualmente grande parte de nossas igrejas fosse analfabeta em relação ao Evangelho; nossas Escolas Bíblicas fossem irrelevantes (a saber, que em muitas igrejas elas nem existem mais), e que as pessoas hoje em dia podem até andar quilômetros e mais quilômetros, só que, não para ouvir um bom sermão, mas para receber alguma cura, milagre ou benção material.

Reler estas passagens da oba de Thompson me deu vergonha de parte da igreja contemporânea, aliás, é esta dita parte que ao receber o fermento religioso e mercadológico inchou a ponto de tornar-se uma ofensa ao próprio Evangelho.

Portanto, sugiro que aprendamos um pouco com os operários da Inglaterra do século XIX – conscientes, questionadores, andarilhos em busca de sermões, profissionais que faziam de seus ofícios um culto a Deus. É a prova de que a igreja brasileira pode até ter um bom currículo, mas isto não a exime de ser analfabeta biblicamente, “desconsciente”, dicotomizada, burrificada, porém alegando ter a mente do Cristo. #SQN!

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Antognoni Misael, pós-graduando em História (UEPB), músico, editor do Arte de Chocar e Púlpito Cristão.

P.S.: Não me surpreenderá um "maluco" ler este post e sair por aí dizendo que eu sou um comunista!