quinta-feira, 19 de julho de 2018

As armadilhas das utopias

Por Claudionor de Andrade

 Vinha ouvindo, em meu carro, dia desses, A Utopia de Thomas More.  O locutor interpretava tão bem o texto, que eu tinha a impressão de ter, ali, bem ao meu lado, o próprio autor a narrar a sua estadia no país onde nada podia dar errado. Logo de início, reparei que ele lavrava um protesto velado, e quase sutil, contra as injustiças sociais que degradavam a Inglaterra do século XVI.
 
Sempre atento ao trânsito, continuei a ouvir o filósofo e chanceler inglês. E, de sua impressionante narrativa, vim a sintetizar o óbvio: o que ele não encontrava na Inglaterra, parecia ter achado naquele Estado Ideal. A sua Utopia, segundo ouvi dizer, era uma descrição romântica do então recém-descoberto arquipélago de Fernando de Noronha. Dizem ainda que Thomas More (1478-1535) teria se inspirado na descrição que Américo Vespúcio fizera das admiráveis ilhas nordestinas. E, assim, veio o pensador a concluir que um lugar tão belo e aprazível seria o cenário perfeito para uma sociedade igualitária, justa e harmônica.
  
Fernando de Noronha, porém, não seria ocupado pela sociedade sonhada pelo trágico ministro de Henrique VIII. A partir de 1737, o paradisíaco arquipélago passou a ser usado, pelo governo colonial português, como presídio. E, nessa condição, permaneceria até 1942. Em 1938, o governo Vargas utilizou aquelas ilhas, que hoje pertencem ao Estado de Pernambuco, como prisão, na qual eram encerrados os inimigos do Estado Novo. A Utopia de Thomas More veio a transformar-se numa distopia. Não é exatamente isso o que ocorre nos países comunistas? Hoje, sonho; pesadelo, amanhã.

Além de Thomas More, apareceram outros poetas e prosadores utópicos. Estes ocuparam-se com a política. Aqueles distraíram-se com a ecologia. E, aqueloutros, brincaram com a religião. Quanto a mim, consolo-me com a cidade arquitetada e construída por Deus; não há outra igual. A Jerusalém Celeste é tão real quanto o restante da criação divina.  

Depois de ouvir A Utopia de Thomas More, pus-me a escutar A Cidade do Sol de Tomás Campanella (1568-1639). À semelhança do filósofo inglês, o pensador italiano descreve-me uma sociedade perfeita. Seu país, localizado no misterioso Oriente, é governado por um príncipe-sacerdote chamado Sol. Ele é auxiliado por outros três potentados: Pon, Sin e Mor, respectivamente a Potência, a Sapiência e o Amor. Nesse Estado, todos se guiam pela razão. Ali, não há propriedade privada, pois esta, segundo ele, sempre acaba por gerar desinteligências e guerras. O país de Campanella é uma perfeita república comunista; teoricamente, funciona; na prática, uma tragédia. 
 
Antes de More e de Campanella, o filósofo grego Platão (428-347 a.C) parece ter sido o primeiro escritor a imaginar uma sociedade perfeita. Em A República, o celebrado pensador discorre sobre uma cidade-estado governada de maneira racional e lógica. O seu rei não é um mero político, mas um filósofo singular, cuja missão precípua é guiar, racional e logicamente, seus ignaros e trevosos súditos. Se dirigidos pela razão, todos serão capazes de dominar seus instintos e reprimir o egoísmo. Assim, os interesses individuais subordinar-se-ão ao Leviatã de Thomas Hobbes. Logo, na República de Platão não há lugar à propriedade privada; ninguém é dono de nada, nem do próprio ser é dono.

Inflamado por seu ideal, Platão vai à Sicília, em 388 a.C., onde busca convencer o tirano de Siracusa a adotar-lhe a cartilha política. Mas, conquanto muito se esforçasse, não logrou transformar Dionísio I num rei-filósofo. Irritado, o déspota mandou encarcerar aquele primevo ideólogo comunista. Não fosse a intervenção de um discípulo abnegado, Platão haveria de terminar seus dias numa senzala de Esparta. 

Desalentado, o romântico filósofo conclui que o diálogo de Górgias não passava de um monólogo votado ao fracasso. Mas, neste ponto, a pergunta é quase inevitável: “Qual o perfil de um rei-filósofo?”. Acredito que Joseph Stalin (1878-1953) preencheria todos os requisitos platônicos. O ditador soviético era racional, lógico, culto, falava diversos idiomas, fazia poesias e cantava razoavelmente bem. Todavia, foi o responsável por 20 milhões de assassinatos. Já ouvi falar em cifras bem mais elevadas.     

Alguns visionários e oportunistas, servindo-se dessas utopias, criaram infernos apavorantes. Haja vista o que vem acontecendo na Coreia do Norte. Fundada por Kim Il-Sung (1912-1994), a nação comunista foi estabelecida sob a proteção da ex-União Soviética, para ser uma vitrine comunista, no Oriente, com o objetivo de seduzir os incautos do Ocidente. 

Como encantar-se com um país que, além de condenar milhões de seus filhos à fome, priva o restante das liberdades mais comezinhas? Ali, milhares de crianças perecem de desnutrição crônica, enquanto os dirigentes vermelhos banqueteiam-se e caçoam do povo. E ai de quem ousa fugir daquela terra, que, segundo o seu governo, abriga o povo mais feliz de todos os tempos. 

Ensaiando uma peça cômica, muitos norte-coreanos arriscam-se a cruzar a fronteira com a China, em busca de um pouco de liberdade. Seria como passar do fogo para a fornalha. 

Fundados em bases ideologicamente utópicas, os países comunistas transformaram-se na pior das distopias. Não quero, com isso, sublimar a democracia. Entretanto, sem ela não estaria, agora, a escrever estas linhas. Enquanto organizo este parágrafo, pergunto-me o que fariam Platão, More e Campanella se pudessem ver em que redundaram suas fantasias. Na ex-União Soviética, os que ousavam discordar do regime eram amontoados nos gulags. Basta ler o relato biográfico de Alexander Soljenítsin (1918-2018), para se ter uma ideia do sonho marxista.

Adolescente ainda, procurei ler alguns escritos de Karl Marx (1818-1883). Mas não consegui avançar além de duas ou três páginas. Que livro cansativo e frustrante. Vim a saber, depois, que nem o próprio Lênin (1870-1924), fundador da ex-União Soviética, achava agradável aquela leitura. No entanto, quando abro a minha Bíblia, deparo-me, não com utopias e sonhos; deparo-me com a realidade de um encontro pessoal com o Senhor Jesus Cristo. Através de sua morte e ressurreição, escancarou-nos Ele os portais da vida eterna.

O que é uma utopia? Um não lugar. Mas a Jerusalém Celeste é um lugar real; é a cidade que nos aguarda. O melhor dessa cidade é que o Senhor Jesus Cristo estará para sempre conosco.

Fonte:CPAD

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