domingo, 11 de novembro de 2018

Disciplina bíblica na igreja


A disciplina eclesiástica bíblica segue imediatamente o entendimento bíblico da membresia de igreja. A membresia estabelece uma fronteira ao redor da igreja, separando-a do mundo. A disciplina contribui para que a igreja que vive dentro dessa fronteira permaneça fiel àquelas coisas que, em primeiro lugar, são a causa do estabelecimento da linha de separação. Dá significado à membresia da igreja; além disso, é outra marca importante de uma igreja saudável.

O que é exatamente a disciplina eclesiástica? No sentido mais restrito, é o ato de excluir da membresia e da comunhão na ceia do Senhor alguém que confessa ser um cristão e está envolvido em pecado grave e pertinaz — pecado que ele recusa abandonar.

A fim de entendermos a disciplina eclesiástica, é proveitoso recordarmos o que falamos no capítulo 3 [do livro em questão] sobre os propósitos de Deus em
criar o universo, a humanidade, Israel e a igreja. Deus criou o universo para manifestar a sua glória. Depois, Ele criou a humanidade visando a esse mesmo propósito, especialmente por criar-nos à sua imagem (Gn 1.27). A humanidade — Adão e Eva — não manifestou a glória de
Deus; por isso, eles foram excluídos do jardim.

Então, Deus chamou Israel a manifestar a sua glória, especialmente por demonstrarem às nações a santidade e o caráter dEle revelados em sua lei (ver Lv 19.2; Pv 24.1, 25). A lei era o fundamento
para corrigir e excluir pessoas da comunidade de Israel (como vemos em Nm 15.30-31). Em última análise, a lei foi o motivo por que Deus expulsou Israel da sua terra.

Finalmente, Deus criou a igreja, como dissemos, para que ela refletisse crescentemente o caráter de Deus, conforme ele é revelado em sua Palavra. Em harmonia com toda a linha histórica da Bíblia, a disciplina eclesiástica é o ato de excluir um indivíduo que, negligentemente, traz má reputação ao evangelho e não mostra qualquer compromisso em agir de outra maneira. A disciplina ajuda a igreja a
refletir com fidelidade o glorioso caráter de Deus. Ajuda-a a permanecer santa. É uma tentativa de polir o espelho e remover qualquer mancha (ver 2Co 6.14-7.1; 13.2; 1Tm 6.3-5; 2Tm 3.1-5). Por que devemos praticar a disciplina? Para que o caráter santo e amoroso de Deus apareça com mais clareza e resplandeça com mais intensidade.

Como se realiza o processo de disciplina? Visto que as circunstâncias do pecado variam tremendamente, temos necessidade de sabedoria pastoral diversificada para discernirmos como tratar cada situação.
As palavras de Jesus, registradas em Mateus 18 nos fornecem os limites gerais (vv. 15-17). Começam com a instrução de falarmos em particular com o irmão ou a irmã que pecou. Se o pecador se arrepende, o processo de disciplina termina. Se não, devemos procurá-lo novamente acompanhados de outro cristão. Se ele ou ela não se arrepender, então, como Jesus o expressou: “Dize-o à igreja; e, se recusar
ouvir também a igreja, considera-o como gentio e publicano” (Mt 18.17), ou seja, uma pessoa que não pertence à igreja.
Essa idéia talvez pareça severa para muitos em nossos dias. Ora, Jesus não proibiu seus discípulos de julgarem os outros? Em um
sentido, Ele realmente proibiu: “Não julgueis, para que não sejais julgados” (Mt 7.1). Contudo, no mesmo evangelho, Jesus exortou as igrejas a repreenderem — publicamente — seus membros por
causa de pecado (Mt 18-15-17; cf. Lc 17.3). Portanto, as palavras de Jesus, “não julgueis”, não pretendiam excluir tudo que pode hoje ser chamado de “julgar”.

 Deus mesmo é um juiz. Ele julgou Adão no jardim. No Antigo Testamento, ele julgou tanto nações como indivíduos. No Novo Tes-
tamento, Ele promete que os cristãos serão julgados de acordo com suas obras (ver 1Co 3). E promete que, no último dia, Ele se revelará como juiz de toda a humanidade (ver Ap 20). Deus nunca erra em seu julgamento. Ele está sempre certo (ver Js 7; Mt 23; Lc 2; At 5; Rm 9). Às vezes, os propósitos de Deus no julgamento são corretivos e restauradores, como acontece quando Ele disciplina os seus filhos. Às vezes, seus propósitos são retribuidores e vingadores, como acontece quando Ele derrama sua ira sobre os ímpios (ver Hb 12). De qualquer maneira, o juízo de Deus é sempre justo. O que surpreende muitas pessoas em nossos dias é o fato de que, às vezes, Deus usa seres humanos para realizar o seu julgamento. O Estado tem a responsabilidade de julgar os seus cidadãos (ver Rm 13). Os cristãos são instruídos a julgarem a si mesmos (ver 1Co 11.28; Hb 4; 2Pe 1.5). As congregações são aconselhadas a julgar ocasionalmente os membros da igreja — embora não da maneira final como Deus julga.

Em Mateus 18, 1 Coríntios 5-6 e outras passagens bíblicas, a igreja é instruída a exercer julgamento dentro de si mesma. Esse julgamento tem propósitos restauradores e não vingativos (Rm 12.19). Paulo instruiu a igreja de Corinto a entregar um homem adúltero “a Satanás
para a destruição da carne, a fim de que o espírito seja salvo” (1Co 5.5).

Ele disse essas mesmas palavras a Timóteo, ao referir-se aos falsos ensinadores (1Tm 1.20). Não devemos ficar surpresos com o fato de que Deus nos chama a exercer certo tipo de julgamento ou disciplina. Se as igrejas esperam ter algo a dizer a respeito de como os cristãos vivem, elas terão de dizer algo a respeito de como os cristãos não vivem. Preocupo-me com o fato de que muitas igrejas lidam com a disciplina como se estivessem derramando água em baldes furados — toda a atenção é dada ao que
é derramado, sem qualquer preocupação com a maneira como é recebido e retido. Um dos sinais dessa tendência é o declínio na prática de disciplina eclesiástica nas últimas gerações.

Um escritor do movimento de crescimento de igrejas resumiu essa estratégia em igrejas que crescem usando estas palavras: “Abra a porta da frente e feche a porta de trás”. Ele quis dizer que as igrejas devem tornar-se mais acessíveis aos de fora, enquanto também fazem um trabalho melhor de acompanhamento. Esses são bons alvos. Mas suspeito que muitos pastores e igrejas de nossos dias já aspiram fazer isso, e fazê-lo em excesso. Então, permita-me apresentar o que creio
seja uma estratégia mais bíblica: guarde cuidadosamente a porta da frente e abra a porta de trás. Em outras palavras, torne mais difícil o unir-se à igreja e mais fácil o ser excluído. Lembre: o caminho da vida
é estreito e não largo. Fazendo isso, eu creio, ajudaremos as igrejas a
recuperarem a distinção do mundo, conforme planejado por Deus.

Um dos primeiros passos no exercício da disciplina é exercer maior cuidado em receber novos membros. A igreja deve pedir que todos os interessados em ser membros digam o que é o evangelho e dêem alguma evidência de que entendem a natureza da vida que honra a Cristo. Os candidatos à membresia se beneficiarão de saber o que a igreja espera deles e conhecer a importância do seu compromisso. Se as igrejas fossem mais cuidadosas no reconhecimento e na recepção de novos membros, teriam, posteriormente, menos ocasiões de praticar a disciplina corretiva.
A disciplina eclesiástica pode ser realizada de modo impróprio.

O Novo Testamento nos ensina a não julgar os outros por motivos que lhes imputamos (Mt 7.1) ou a julgar uns aos outros em questões secundárias (Rm 14-15). Ao realizarmos a disciplina, nossas atitudes
não devem ser vingativas, e sim amorosas, sendo “compassivos em temor” (Jd 23). Não podemos negar que a disciplina eclesiástica está repleta de problemas de sabedoria e aplicação pastoral. Contudo, devemos lembrar que toda a vida cristã é difícil e está exposta ao abuso. E nossas dificuldades não devem ser usadas como desculpa para deixarmos de praticar qualquer mandamento.

 Cada igreja local tem responsabilidade de julgar a vida e o ensino
de seus líderes e membros, especialmente quando ambas as coisas comprometem o testemunho do evangelho (ver At 17; 1Co 5; 1Tm 3; Tg 3.1; 2Pe3; 2Jo). A disciplina eclesiástica bíblica é obediência a Deus e uma confissão de que precisamos de ajuda. Você pode imaginar um mundo em que Deus nunca usasse seres humanos como nós para exercer seu julgamento, um mundo em que os pais nunca disciplinassem os filhos, o Estado nunca punisse os transgressores e as igrejas nunca repreendessem seus membros? Todos chegaríamos ao Dia do Juízo sem haver experimentado o chicote do juízo terreno e, assim, ter sido avisados de antemão quanto ao julgamento maior que viria sobre nós.
Quanta misericórdia da parte de Deus, pois Ele nos ensina agora, por meio dessas disciplinas temporárias, sobre a justiça irrevogável que virá (cf. Lc 12.4-5).

Eis cinco razões positivas para praticarmos a disciplina eclesiástica corretiva. Ela mostra amor:
1. pelo bem do indivíduo disciplinado;
2. pelos outros cristãos, quando eles vêem o perigo do pecado;
3. pela saúde da igreja como um todo;
4. pelo testemunho coletivo da igreja e, conseqüentemente, pelos não-cristãos da comunidade;
5. pela glória de Deus. Nossa santidade deve refl etir a santidade de Deus.

Ser membro de igreja é importante, não por causa de nosso orgulho pessoal, e sim por causa do nome de Deus. A disciplina eclesiástica bíblica é outra marca importante de uma igreja saudável.

[Arthur Hildersham - O que é uma Igreja saudável? - Editora: Shedd Publicações - pág. 91-95]

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